(Texto do Professor e Cientista Político José Ricardo Faleiro Carvalhaes)
Amigos e amigas, se vocês votaram no Bolsonaro no primeiro turno, ou se pretendem votar nele no segundo, não porque gostem dele, mas porque são contra o PT, porque acham que o PT errou muito, que o Partido tem grande parcela de responsabilidade na corrupção na Petrobrás e que o governo Dilma é o responsável pela crise econômica que nos assolou nos últimos anos, deixem eu lhes dizer uma coisa: eu concordo com vocês, também sou um crítico do PT, basta vocês entrarem no meu perfil e conferirem os vários posts que eu publiquei ao longo dos anos criticando o Partido.
Mas agora não é hora disso. O momento em que vivemos é gravíssimo, tem coisa muito mais importante em jogo: a qualidade da nossa democracia.
Bolsonaro não representa apenas um retrocesso político, ele é um retrocesso civilizatório. Suas declarações e posturas com relação aos direitos civis das mulheres, negros, índios e LGBTs e sua visão de segurança pública não expressam apenas o seu conservadorismo; o que temos aí é uma mentalidade autoritária que ameaça erodir valores fundamentais da democracia, a começar pelo princípio da igualdade jurídica – a igualdade de direitos - que é um dos pilares do chamado Estado Democrático de Direito. O conservadorismo em si não é o problema, faz parte do jogo democrático.
Todos nós somos mais ou menos conservadores, e certamente os conservadores de hoje adotam comportamentos que escandalizariam seus avós ou bisavós. Os costumes mudam com o tempo, e sempre haverá uma parcela da sociedade crítica com relação a essas mudanças; isso é normal. Bolsonaro é muito mais que isso. Suas declarações em defesa da tortura e dos assassinatos cometidos pelos governos militares, sua justificativa para que mulheres ganhem salários menores que o dos homens, sua afirmação de que não aceitará outro resultado na eleição que não seja a sua vitória, entre outras tantas declarações, revelam uma personalidade distorcida, incapaz de discernir entre conservadorismo e autoritarismo. E o pior: mesmo que nossas instituições democráticas sejam capazes de conter seus arroubos, ele abriu uma Caixa de Pandora cujas consequências já se fazem sentir.
Cresce o número de ocorrências de agressões, ofensas e humilhações contra homossexuais. Alguns de seus seguidores ameaçam adversários políticos, desdenham dos direitos humanos, e até mortes já foram imputadas ao ódio que ele promoveu, como num comício recente em que ele bradou que iria fuzilar os “esquerdistas”. Os preconceitos de raça e gênero, atávicos na sociedade brasileira, estão aflorando numa intensidade preocupante, e pessoas extremistas, cujo comportamento é incompatível com o espírito democrático, estão se sentindo autorizadas e estimuladas a destilar sua intolerância contra aqueles que Bolsonaro estigmatizou durante toda a sua vida pública. Esqueçam essa história de kit gay nas escolas, isso é mentira! Aquele livro que ele mostrou na televisão jamais foi adotado na rede pública de ensino; o Ministério da Educação já desmentiu, e se vocês não acreditam, vão vocês mesmos até uma escola e confiram, e verão que não passa de fake news. Se hoje ele parece mais contido, é porque certamente algum marqueteiro o aconselhou a se moderar para ganhar a eleição.
Pesquisem sobre a atuação dele nos quase trinta anos de atuação parlamentar e vocês verão quem é o verdadeiro Bolsonaro. Vocês não acham estranho que depois de tantos anos no Parlamento, recebendo um ótimo salário e todos os demais benefícios da função e vivendo exclusivamente para a política, ele seja tão despreparado para discutir os grandes problemas nacionais? Ele mesmo confessa que não entende de nada, e que vai escalar um “Posto Ipiranga” para cada área do governo.
O que ele ficou fazendo esse tempo todo? Por que não estudou para conhecer melhor o Brasil? Por que não se preparou para exercer um cargo, o de presidente, de tamanha responsabilidade? Ele se comporta como um oportunista e aventureiro, que se aproveita da indignação justa das pessoas com o sistema político para implodi-lo, apresentando-se como o salvador da pátria, estratégia típica dos populistas.
Nem mesmo na área da Segurança Pública, que ele tanto enfatiza, ele é levado a sério, pois a grande maioria dos estudiosos do assunto rechaçam suas ideias. Agora se o seu medo é a corrupção, pensem que a Lava-Jato é irreversível, tem o apoio da sociedade. Justiça, Ministério Público, Polícia Federal estão fazendo seu trabalho – com erros e acertos -, mas as investigações avançam, e estamos todos muito mais atentos. A proibição de doações de empresas a partidos contribui em muito para reduzir a corrupção. Esse é um problema que a sociedade está enfrentando com determinação e os resultados aparecerão, não tenho dúvida.
Haddad é ficha limpa, é muito mais preparado, respeita a democracia, foi um bom prefeito, ganhou prêmio internacional e só perdeu a reeleição por causa do antipetismo. Eu preferia mil vezes que os candidatos nesse segundo turno fossem outros, para romper essa simbiose perversa do “nós contra eles”. Mas a insensatez nos trouxe até aqui. Agora, devemos evitar que as paixões nos controlem; em política a razão é muito melhor conselheira. Esqueçam as ofensas trocadas nas redes sociais.
Pensem que a questão é mais que um confronto entre esquerda e direita – e não levem a sério essa ficção de que o Brasil vai virar uma Venezuela caso vença o Haddad, isso é uma grande bobagem -, é um antagonismo entre os que defendem a democracia como valor e os que não compreendem ou desdenham de seus princípios; ou seja, nada mais nada menos do que o tipo de civilização que queremos ser.
Portanto, amigos e amigas, mesmo contrariado por causa dos erros do PT, voto no Haddad. Peço que reflitam e façam o mesmo.